14º Festival Internacional de Parapente RTP - Açores 2008

28 a 31 Agosto de 2008

Açores Mágico

Realizou-se nos passados dias 28 a 31 de Agosto o 14º Festival dos Açores.

 

 

 

 

 

15 anos depois da primeira ideia de realizar um festival de Parapente na Ilha de São Miguel, o Clube Asas de S. Miguel, volta a brilhar num encontro anual em que o voo em Parapente consegue harmonizar a amizade, o divertimento e o convívio entre pilotos de todos os níveis técnicos, de diversos pontos do nosso país e mesmo do mundo. Este é um encontro com um ambiente extraordinário e indescritível. O empenho, dedicação e a atenção de cada um dos seus membros do clube organizador para com cada um dos participantes está acima do melhor que é possível encontrar.

Durante 4 dias, as estradas de S. Miguel, são cruzadas por uma caravana composta pelos carros dos pilotos Micaelenses, autocarros disponibilizados pelas câmaras que se envolvem no apoio logístico e pela roulote das bifanas. Um cenário a acompanhar.

E voar? Bom!... voar é… é… enfim!... Voar é bom!...
É bom. Tal como tudo nestes dias. É único.

 

 

 

Voar em S. Miguel é calmo, é silencioso, é suave, é uma posse tranquila, é verde e azul, com umas manchas pretas e brancas. Quatro dias de evento, quatro dias de voo, pelo menos seis locais diferentes com voo efectuado pelas dezenas de participantes.

 

 

 

 

 

 

Os locais de voo em S. Miguel são inúmeros. Pense-se numa velocidade e direcção de vento, e logo surge um local. Um local de escola, de piloto intermédio, de piloto avançado. As características dos locais permitem surpreendem. Os pequenos morros lançam grandes distâncias, suportam dezenas de asas em apoio dinâmico e as aterragens são a perder de vista.

 

 

Os “pastinhos” são o local clássico. Os pequenos promontórios deixados pelo reboliço de lava das entranhas turbulentas deste local da terra, desvendam o ponto de partida para uma vista deslumbrante sobre o mar que se encontra mais à frente. Se está muito vento, descola-se mais abaixo, menos vento, vamos subindo. Ao subir a encosta, novas sensações invadem estes visitantes. Desta vez por via olfactiva. Um perfume a hortelã é desperto a cada passo e inunda todo o pasto. Um leque de possibilidades e de sensações numa mesma encosta. A escolha deixada ao piloto, consoante este julgue o seu local ideal para partir. Lá em baixo, os braços do verde e o odor da hortelã aguardam os visitantes do ar e logo os abraça depois da satisfação de um voo tranquilo.

 

Seguimos para os “Valados”. Onde é a aterragem? Preocupam-se alguns. Ali à direita! Não essa é muito inclinada, eu gosto mais daquela lá à frente. Essa é muito longe, que tal a da esquerda? As escolhas são diversas, para todos os gostos, para todos os níveis, para todos os planeios. É assim, voar nos Açores.

 

 

 

Vento um pouco forte, descolamos mais abaixo, vamos à “Maia”. Aqui parece bem. No caminho há milho! Há vacas com trabalho feito há pouco! Alguém explica sabiamente: Isso é só erva moída e triturada. Sim, e passada pelo tudo digestivo de um animal enorme, autentica fábrica de leite, respondem mais à frente. A sustentação é boa. Não está directamente relacionada com a intensidade do vento nem com a morfologia do terreno. A vista perde-se num límpido azul. Para a esquerda ou para a direita? Escolhe e voa. No final do dia a inversão é rompida, as nuvens passam a ser o limite. Enquanto alguns continuam a sua diversão no local, outros saem para um longo passeio. Voa-se por todo o lado!

 

À noite, a biblioteca de Ponta Delgada recebe os pilotos para uma sessão extraordinária de perguntas e respostas. Ewa Winierska seria a estrela da noite. Apesar de ser relativamente renitente à abordagem, brindou-nos com o relato da sua experiência na Austrália.
Com uma atitude claramente pedagógica, Ewa esclarece que este assunto só lhe dá interesse partilhar com outros pilotos. Apresentou o seu tracklog a todos os presentes, descreveu tudo de que se lembrava e respondeu a todas as questões colocadas pela interessada plateia. A sua experiência foi algo inigualável, inimaginável, irrepetível. Uma excelente prelecção que convidou à reflexão de todos os pilotos de competição e não só.

A previsão meteorológica do 3º dia aponta para um dia dedicado ao turismo. Nada que não seja habitual e muito menos que não seja agradável. Passear na Ilha de S. Miguel é viajar na ilusão, na fantasia e no sonho, é trilhar um caminho de uma floresta encantada onde a surpresa surge a qualquer momento. É presenciar locais onde o amor fez interagir fatalmente princesas e pastores, onde dragões espreitam por entre o manto de nevoeiro que invade os cumes, outrora nascentes de fogo e lava flamejante. Passear em S. Miguel num dia de nevoeiro é mágico.

 

 

Pouco tempo depois e lá mais abaixo, onde as águas escaldantes invadem o mar assistimos a mais uma das particularidades deste local nascido da revolta da terra, mas posteriormente abençoada pelos deuses – A “Ferraria”.

Este local permite aos apaixonados pela água deliciarem-se com o calor de um banho quente de mar. Esta mistura de salgado e doce, de quente e frio, permite a junção de sensações complementadas com um translúcido cristalino que permite ao olhar perscrutar o outro mundo. Aquele que circunda toda a ilha. O imenso azul!...

 

A brisa é benévola e sopra, a descolagem não é das melhores perante o hábito dos últimos dias. Ligeiramente da direita, um a um lá vão saindo os homens dos ares. O desafio está lançado e se é para voar. Como ainda não voámos nada hoje, vamos lá.

 

 

 

 

 

O tempo vai passando e o céu da Ferraria passa a ter um colorido diferente, o azul e branco deu lugar a um mar de cores que se fazem passear por todo o lado.

 

 

 

 

 

 

Mais tarde, ao longe, a chuva parece teimar em cair. Do lado direito e esquerdo da ilha chove continuamente deixando aquele pequeno paraíso intocável a todos os amantes do ar. Horas depois, um caprichoso e desenvolvido cúmulo decide caminhar na direcção do local. À sua aproximação, soa a necessidade de aterrar, restando poucos minutos aos mais afoitos para arrumar o material sem serem presenteados com aquela água dos céus.

 

 

 

 

Boa forma de terminar mais cedo. Hoje é dia de jantarmos em conjunto num dos hotéis da cidade. Assim, ninguém se vai atrasar. Á Partida para Ponta Delgada já o sol desponta por entre abertas que vai rompendo á medida que a caravana se afasta.

Nessa noite, o jantar é brindado com um grupo de dança e cantares locais, seguindo-se um passeio para o Campo de S. Francisco. A noite já vai avançada. E amanhã?... Bom, amanhã é dia de voo, claro!...

 

 

Quarto dia de voo. Serra Gorda. O vento sopra muito suavemente e a sustentação não é suficiente. Essa não é razão que impeça muitos pilotos de subir e contemplar uma suave descida.

Este local situa-se a poucos minutos de Ponta Delgada. No final de cada dia de trabalho, os pilotos locais podem dar uma escapadinha à Serra Gorda e voar na Direcção em que estiver o vento, já que esta elevação tem descolagens em todas as direcções. A facilidade de acesso à descolagem em qualquer carro tipo de carro, a proximidade à cidade e as direcções de vento suportadas, fizerem eleger este local com o cognome de “A Catedral”.

 

 

 

 

O vento teima em permanecer fraco, mas a organização está confiante de que com o avançar do dia ficará mais forte. O que se veio a verificar, fazendo com que este relevo se enchesse de cor. Entre mais e menos experientes, muitos puderam usufruir deste fabuloso local. Sim muitos, não todos. Já que alguns decidiram visitar o local mítico – a cratera das furnas. O local onde a magia atinge o seu expoente máximo.

Chegados ao “Salto do cavalo” a água presente no imenso relvado faz denotar a subida do tecto há pouco tempo. Essa a grande razão que nos tinha feito optar pela Serra Gorda, já que se encontra a uma cota inferior. Contudo, naquele momento, o véu tinha sido aberto.

 

Chegados à frente da descolagem. Furnas - a excelência! O sonho tornado realidade. A imensa cratera com a povoação e a lagoa no seu seio. Um dos locais que nos devolve à memória as razões pelas quais um dia decidimos voar. O manto branco que cobre a cratera, agora aberto, permite ver todas as paredes ao longe, a brisa sopra suavemente na descolagem sendo, por vezes, acompanhada de um odor a enxofre, a humidade é muito elevada e o silêncio é total. Qual ambiente de uma paisagem da floresta de Merlin no seu envolvimento amoroso com Morgana numa das lendas mais contadas.

 

 

A descolagem é suave. Saio e circulo junto à encosta, as ascendentes aveludadas permitem uma sustentação débil, mas possível. Calmamente, uns após outro, os pilotos vão saindo. Não são muitos, o que permite gerir bem as zonas de ascendente mais favoráveis. O voo é sustentável.

Após algum tempo, o tecto inicia o retorno à cota onde durante a manhã teria despertado. A sustentação agora é fácil graças ás nuvens, o divertimento é pleno e a humidade cria o envolvimento deste xaile que me abraça. Entrando e saindo de dentro da nuvem como um golfinho em ambiente invertido, salto alegremente por este imenso mar branco. A magia torna-se êxtase e o voo permite-me reconstruir todos os pedaços de memória que me levam à sensação daquilo que significa voar na cratera das Furnas, voar em S. Miguel, em suma, voar Açores.

 

 

 

Como que se de um sonho interminável se tratasse, este mundo mágico, sob as ordens dos magos do Clube Asas de S. Miguel, com a varinha mágica na mão de João Brum, continua a persistir na sua existência através de uma fogueira no meio de um pasto e de uma noite de música, dança e alegria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No dia seguinte, a partida significaria a volta ao mundo real. Um mundo cheio de actividade, e pressa. A paz Açoriana ficou para traz aguardando o regresso dos alegres pilotos em busca de mais voo e magia. O Festival de S. Miguel fica-nos no coração, pelo voo, pelo local e pelas gentes que extraordinariamente nos acolhem há 14 anos.

Em 2009 o 15º Festival de S. Miguel deverá entrar directamente em qualquer agenda dos pilotos que queiram viver o imaginário de voar num mundo que realmente existe.

Paulo Branco
2008